Resenha: Dan McCafferty - Last Testament (earMUSIC)


It seems so far away”. As primeiras palavras de Dan McCafferty em “Last Testament” parecem anunciar que ele será uma viagem no tempo. Entretanto, a viagem a que nos conduz o primeiro álbum solo de Dan McCafferty em mais de trinta anos é muito mais do que cronológica. É também uma jornada rumo aos mais profundos sentimentos do artista e uma excursão por diversos estilos e ritmos musicais, com arranjos e produção de muita qualidade. Vale aqui, portanto, um destaque para o trabalho realizado pelo maestro tcheco Karel Marik em todas as músicas. Destaque também para a profundidade das letras, todas de autoria de Dan.

É fácil perceber que o artista transforma a limitação causada pela DOPC (Doença Obstrutiva Pulmonar Crônica) em um mero contratempo superado pela apurada técnica vocal e, sobretudo, pela presença de uma carga emotiva muito forte em cada nota que pronuncia. A voz, que antes vinha apenas dos pulmões, agora vem também do coração. E mantém-se forte e marcante, com as qualidades características e distintivas desse mítico cantor escocês.

Outra constatação importante: o talento de Dan McCafferty consegue fazer com que o ouvinte seja transportado para o universo de cada música, de forma a vivenciar as emoções nela retratadas. E são muitas as emoções compartilhadas, desde confissões românticas, arrependimentos e ensinamentos, até reflexões de cunho filosófico e existencial, além de uma dose – sempre muito bem vinda – de empatia, como na monumental “Refugee”.

“You And Me” é de um romantismo envolvente, belamente embalado pelo acordeão e pela presença do piano ao final. Aliás, o acordeão, o piano e as gaitas de fole têm presença marcante em todo o álbum. Nessa canção, há um lirismo tipicamente escocês subjacente às recordações sobre os dias ensolarados relatados pelo artista.

“Why” inicia-se misteriosa, com sussurros que aos poucos adquirem maior nitidez, assim como os questionamentos feitos e a solidão a que a música se refere. O refrão é forte e contagiante. Logo você se percebe cantando junto com Dan, retornando com ele aos sussurros e questionamentos da música e, de novo, ao clímax do refrão, até que o ritmo novamente diminua a ponto de se resumir à voz do artista.

A viagem no tempo e o clima reflexivo são marcantes na bela “Looking Back”. Ela tem início com uma atmosfera serena e acústica que, a exemplo da faixa anterior, aos poucos obtém intensidade. A música fala de um relacionamento que não deu certo e do cansaço que ele ocasionou. Uma das mais bonitas do álbum.

“Tell Me” é ainda mais romântica. Foi lançada como single em junho, acompanhada de um vídeo bastante comovente. Há muitas confissões aqui, além do reconhecimento de culpas e de um pedido de desculpas que a voz de Dan transmite com impressionante profundidade. Cativa e emociona a cada nota.

O começo de “I Can’t Find the One for Me” tem acordes muito calmos, mas logo a voz potente de Dan McCafferty faz a temperatura do álbum elevar-se. Embora a presença do acordeão embale algumas mudanças de ritmo, a música tem em geral um ritmo acelerado. O timbre marcante de Dan está presente aqui e lembra o estilo rebelde dos anos 1970.

“Look at the Song in My Eyes” é simplesmente adorável. A melodia tranquila te convida a embarcar nesta declaração de amor que Dan fez a sua esposa Mary-Ann ("What everyone is looking for I have by my side... Don't get better than this"). O acordeão está em perfeita sintonia com as emoções do artista, parece até fazer parte dele. Você se emociona “more, and more, and more”, como na expressão usada na canção. Mais uma faixa com refrão contagiante.

Não duvide, agora você está na Escócia. Uma longa introdução com gaitas de fole anuncia “Home is Where the Heart is”. É uma homenagem à terra natal do artista e, ao mesmo tempo, uma celebração à boa e velha amizade. Há um clima de alegria e contentamento. A exemplo de “Tell Me”, essa música ganhou um videoclipe e foi lançada como single.

Mas... e o rock and roll? Ele está presente, sobretudo, na arrebatante “My Baby”, que remete às origens do rock. É uma merecida homenagem aos pioneiros desse estilo musical. Nessa faixa, Dan prova mais uma vez que ainda é capaz de fazer o que sempre fez com maestria: soltar o vozeirão.

Muito empática, “Refugee” faz referência à difícil situação de um refugiado, daquele que sofre a dilacerante dor de não ser bem-vindo. É a canção que mais me emocionou no álbum. Quando digo que a emoção de Dan está presente em cada nota, falo de todas as músicas, mas sobretudo de “Refugee”. Épica, não menos que belíssima e magistral.

“Mafia” é outra faixa épica. Diversas experimentações artísticas são realizadas durante a música, todas elas muito bem sucedidas. “Last Testament”, aliás, pode ser visto como um álbum corajoso e bastante inovador.

“Sunshine” é a releitura de um clássico que dispensa comentários. Cumpre apenas deixar registrado que essa gravação foi feita em dueto com Pete Agnew, amigo de infância e companheiro de Nazareth por quase cinquenta anos. Muita nostalgia aqui.

E por falar em duetos, “Nobody’s Home” foi gravada em parceria com a talentosa cantora tcheca Kristýna Peterková. A voz de Kristýna produziu um contraste muito harmonioso com a voz de Dan. Mais um refrão cativante, mais uma belíssima canção.

"Right to Fail" soa como um conto apresentado em um clima de faroeste. Instrumento mais presente no álbum, o acordeão ajuda a contar a história. É como se fosse outro dueto - esse, entretanto, entre voz e instrumento. Muito interessante.


Pensou que sua cabeça não balançaria com um rock pesado? Enganou-se. Logo nos primeiros acordes de "Bring It on Back", você sente a energia fluir dos instrumentos. O artista está muito à vontade aqui para, novamente, liberar a potência de sua voz.

Como em tantas jornadas épicas, o fim é um retorno ao começo. O álbum termina com uma versão acústica de “You and Me”, um plus à emoção trazida pela versão original. O piano se faz mais presente, produzindo notas serenas e harmoniosas que só não emocionam mais do que a voz do artista, na plenitude de sua maturidade e de seu talento.

Termino a resenha com uma lágrima nos olhos e um agradecimento sincero ao artista que fez – e continua fazendo – a trilha sonora da minha vida.

Quantas estrelas para o álbum? Todas aquelas que podem ser vistas no firmamento!

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