Sedução

Imagem: Natasha Henstridge

Da sacada de seu apartamento, debruçada sobre a grade de proteção, Paula observava as águas marinhas avançarem lentamente até as proximidades do calçadão. Enquanto admirava a beleza das ondas, ora verdes, ora azuis, ela ajeitava os cabelos louros e esboçava um sorriso. Os olhos contemplativos copiavam as cores do oceano e refletiam o encantamento da jovem diante da imensidão que via à sua frente.

Um franzir de testa e um repentino cruzar de braços transfiguraram seu semblante numa fração de segundos: seus pensamentos, indevassáveis, eram apenas parte de seu mistério.

O vento, travesso, teimava em despentear seus cabelos. Incomodava-a; parecia querer atrapalhar seu flerte com o mar. Contrariada, a moça suspirou fundo e passou novamente seus dedos de leite sobre os fios ondulados. Em seguida, a mão direita buscou os óculos escuros na "nécessaire" e com eles cobriu os olhos muito claros.

A beleza dos seus vinte e sete anos pulsava em cada músculo do seu corpo. Era impossível a qualquer pessoa não notar sua presença.

Paula era desejada por todos. E não apenas em razão da beleza e da sensualidade, que lhe eram abundantes. Era magnetismo; algo animal, primitivo. Algo que estava impregnado em sua essência de caçadora.

Os bruscos movimentos do ar a estavam irritando cada vez mais. Paula retrocedeu então dois passos, encostando seu corpo escultural na parede da churrasqueira. Fez careta, bufou, mas nem mesmo a ira maculava sua beleza. Uma beldade.

Parecendo intimidado por ela, o vento abrandou sua força. A brisa marinha tocou então sua pele rosada com suavidade, como quem lhe faz uma carícia. Ela deixou escapar um leve gemido. Um sorriso de prazer, malicioso, brotou em Paula. A jovem fechou os olhos, acariciou os cabelos e meneou lentamente os quadris largos, simulando uma dança sensual. Provocou suspiros inaudíveis à sua volta. Estava excitada. Abriu a blusa; exalou um perfume indecifrável. As forças da Natureza silenciaram. Contemplavam-na.

"É assim que eu gosto" – ela murmurou, com ares de superioridade. E tornou a debruçar-se sobre a grade de proteção, revelando parte dos seios insinuantes.

O aroma trazido pelas árvores frutíferas das redondezas penetrou em suas narinas. Paula deixou que seu olfato fosse o sentido mais aguçado naquele momento: adorava aquele cheiro! Sentindo-se dona deste mundo, bocejou longamente, abriu os braços bem torneados e espreguiçou-se com graça.

Nos prédios vizinhos, corações acelerados a observavam. Embora desprezasse os seres humanos, Paula sentia-se envaidecida por possuir tantos admiradores. Dançou novamente. Desta vez, com mais sensualidade. Sabia provocar. Enquanto sua pele ruborizava com o calor que tomava conta de seu corpo, ela iluminava seu rosto angelical com um sorriso.

Diabólico.

Uma predadora quase humana...

*******

Jonas há tempos não saía para pescar. Já não tinha mais a mesma força nos braços, tampouco a coragem de se aventurar novamente em alto-mar. Na sua idade, aquilo já não parecia algo esperto a se fazer. E, felizmente, não mais era necessário como meio de ganhar a vida.

Sessenta e três anos, todos eles vividos no litoral paulista. Uma pequena herança havia lhe trazido a tranquilidade financeira que em quase cinquenta anos de trabalho nem sequer chegara perto de alcançar. "A vida é mesmo muito estranha", costumava dizer aos amigos.

Aposentado há alguns meses, Jonas agora podia dedicar-se a fazer o que mais gostava: escrever. Não frequentara a escola durante muitos anos, apenas o suficiente para ser alfabetizado. Porém, por conta própria, aprimorou seus estudos anos depois. Tornara-se um apaixonado por livros. E os devorava. Adorava mergulhar nas histórias e sentir-se como um personagem, viajando na leitura e dando asas à sua imaginação. Desde adolescente, acalentara a esperança de um dia tornar-se escritor, nem que fosse para publicar um único romance. "Um livrinho só que seja", matutava; "um único livro e já me sentirei feliz".

Estava sempre escrevendo poemas e algumas crônicas sobre seu universo: o dia a dia, as mulheres que amara, as belezas da praia, os mistérios das águas. Até as conversas dos outros pescadores, que ele sempre ouvia em silêncio, acabavam se transformando em pequenos textos, por vezes mesclados a certa dose de ficção.

Tudo aquilo lhe servira como experiência, como um treinamento para o romance que tanto desejava escrever. Jonas agora tinha tempo de sobra para isso. Ele desenvolvera tamanha fluência na escrita que, por vezes, deixava perplexos alguns alunos da universidade que se instalara nas proximidades de sua residência.

Faltava saber qual seria o tema central do livro.

Em sua mente, ele possuía várias ideias, mas nenhuma pela qual tivesse se decidido. Ele sabia que escrevia melhor quando estava apaixonado pelo assunto. E aquele livro – seu primeiro romance – tinha que ser especial. Portanto, precisaria ser sobre algo pelo qual ele estivesse apaixonado.

Algo, ou alguém.

*******

Um livro na mão esquerda e a velha cadeira de alumínio na destra. Era com esses adereços que Jonas, diariamente, percorria o trajeto de quatro quilômetros que separavam sua casa da beira-mar. Às vezes, também trazia consigo um pequeno caderno e uma esferográfica azul, para, inspirado pela bela paisagem, escrever um conto ou uma crônica. Ou, quem sabe, capítulos do tão sonhado romance...

A praia ainda estava quase deserta naquela manhã. Um sol morno nascia no horizonte. Pequenas nuvens brancas pintavam timidamente o azul do céu. No seu imaginário de escritor, elas pareciam silhuetas de pequenos seres que teriam viajado incontáveis galáxias apenas para lhe dizer “olá”.

O ar estava muito sereno e transmitia uma sensação de paz que Jonas desejava absorver plenamente. Fechando os olhos e abrindo os braços fortes e longos, ele respirava sorridente a tranquilidade do amanhecer. Enquanto uma brisa amena atingia seu rosto, no céu o ar em movimento mudava o formato das nuvens, transformando-as em figuras que lhe pareciam novas formas de vida, todas elas muito diferentes de nós, mas que, na mente prodigiosa do pescador, dividiam conosco um intrigante universo.

Jonas era mesmo um sonhador. Ingênuo e sonhador.

Ele chegara com passos tranquilos e, antes que sentisse a água tocando seus pés, abrira sua velha cadeira. Fizera tudo com lentidão, até sentar-se confortavelmente. Já correra bastante em sua vida noutros tempos; agora, queria apenas relaxar e curtir com paixão os anos que lhe restavam. A brisa marinha cumprimentou-o e ele retribuiu com um largo sorriso. Olhou para os lados novamente. Ninguém por perto. Poderia conversar com as ondas sem ser taxado de lunático:

– Bom dia, mar amigo!

O poeta parecia especialmente animado naquela manhã. Seus olhos, que lutavam contra a presbiopia e a catarata, ainda tinham um brilho tênue. O rosto já não guardava resquícios da beleza da juventude, mas o tronco e os braços, ainda robustos, davam-lhe uma aparência mais jovem.

De repente, uma voz feminina surgiu, interrompendo os devaneios de Jonas:

– Que sorriso cativante!

Pego de surpresa, ele estremeceu. Paula sorriu:

– Nossa, não pretendia assustá-lo! – enquanto ajeitava com malícia a barra do curtíssimo vestido, a loura tocou suavemente em seu ombro esquerdo. – É impressão minha ou você estava conversando com o mar?

Ao virar-se na direção da moça, Jonas deparou-se com um sorriso maroto, que brilhava num rosto deveras bonito. Os olhos (impossível dizer se verdes ou azuis) eram hipnotizantes. No entanto, foram outras as sensações mais marcantes para ele naquele momento: o toque delicioso das mãos daquela jovem e as formas esculturais de seu corpo. Por um instante, o experiente Jonas vacilara. Parecia em transe.

O sorriso da deusa marinha abriu-se ainda mais. Sentia-se vitoriosa, pois conquistara aquele homem usando apenas uma pequena fração de seus encantos. Paula não estava surpresa; afinal, o poder de sedução das mulheres de seu planeta era subjugador. Quando suas amigas chegassem, nas naves que em breve aportariam nos litorais da Terra, também não teriam a menor dificuldade em seduzir todos os homens do planeta. E depois devorá-los. Literalmente.

Passada a hipnose inicial, o velho pescador finalmente se recuperou. Levantou-se e cumprimentou Paula. A suavidade das mãos dela não lhe passou despercebida: era um convite ao prazer. Jonas tentou caprichar no velho sorriso, já que a bela jovem o achara cativante.

– Você não me assustou. Foi sua beleza que me deixou intimidado.

Paula gostou da franqueza, tão rara nos machos que conhecera em outras civilizações. Decidira que Jonas merecia mais de seu charme. Liberando feromônios extrassolares, a jovem aproximou-se, abraçou-o carinhosamente e beijou com suavidade suas bochechas, um tanto enrugadas pelo tempo e pela ação implacável do Sol durante décadas. Sentiu-se extremamente atraída pelo odor que o pescoço daquele homem exalava. Ele parecia ser uma refeição e tanto... Mas Paula não podia revelar-se antes da chegada das outras amazonas.

Ao afastar-se do corpo dele – e percebendo o quanto ele desejava que ela permanecesse ali –, Paula cuidou de ajeitar delicadamente os cabelos, certificando-se de que seu cheiro penetrara as narinas de sua caça:

– E então, conversando com Poseidon?

Enfeitiçado, Jonas sentiu-se mais tímido que de costume. Não queria, no entanto, parecer frágil:

– Sim, confesso que costumo fazer isso quando não vejo ninguém por perto. Você sabe, podem pensar que eu sou louco. [Sorrisos]. Você me pegou de surpresa. Não senti a sua aproximação.

Fora com muita dificuldade que Jonas conseguira concatenar aquelas frases. A moça era realmente linda. Havia algo um tanto demoníaco nela, que o fazia querer sentir-se dominado. E a audácia da garota o surpreendia cada vez mais. Agora, ela trazia novamente seu corpo para junto do dele. Sem rodeios, começou a lhe acariciar o tórax e a beijar-lhe a face e os lábios. Primeiro, com doçura; depois, com completa devassidão. Em instantes, os dois corpos estavam em brasa. Jonas jamais sentira tamanho prazer.

Os braços da moça adornavam-lhe com suavidade os ombros e o pescoço, enquanto as mãos acariciavam as têmporas e a nuca. As coxas roçavam com volúpia nas dele e os seios – ah, os seios! – se projetavam sobre ele, quentes e macios, desafiando seu autocontrole. Parecendo obedecer aos desejos da beldade, o vento balançava levemente seus cabelos, fazendo com que eles tocassem o rosto de Jonas, provocando ainda mais seus sentidos. O poeta, já quase em êxtase, abraçou com força a cintura tão bem torneada, enquanto buscava a região lombar daquela incrível fêmea. Um perfume inebriante foi exalado do corpo dela, fazendo com que ele quase perdesse os sentidos.

Era um massacre.

Ele tentou reagir, mas mostrou um vigor físico em franco declínio. Suas mãos, um pouco descoordenadas, procuravam sentir os quadris largos da moça, tateando-os com um incontrolável desejo. Paula percebeu que ele a despia com os olhos e lhe lançou um olhar malicioso e [muito] convidativo. Jonas, esquecendo-se de que a praia não estava completamente deserta, começou a tirar o vestido da beldade, mas foi interrompido por uma dor visceral.

O pescador começou a contorcer-se, emitindo gemidos que indicavam profundo sofrimento. Ele quase urrava. Desvencilhara-se dela, a contragosto, e agora estava agachado ao chão. Tremia e tinha o rosto desfigurado. Por longos minutos, pareceu metamorfosear-se em um homem bem mais velho.

Ou o prazer fora maior do que ele podia suportar, ou algum poder desconhecido o afetara.

Paula o observou com impressionante frieza. Depois, sentou-se na areia e acariciou os cabelos ralos de sua presa. Olhando-o fixamente e com repentina piedade, ela então notou que Jonas, com o indicador de sua destra, apontava uma direção ao fundo daquele belo cenário litorâneo. Quando os olhos claros e brilhantes de Paula notaram o que começava a acontecer próximo à linha do horizonte, a moça sentiu seu corpo vibrar. Em sua caça, a aparição provocara dores profundas; na alienígena, uma intensa sensação de poder fora saboreada.

De formas antagônicas, ambos ficaram transfigurados, porém em Paula a transformação durou apenas alguns segundos. A pele dela tornou-se mais viçosa e levemente azulada. Os olhos faiscaram de forma vibrante, denunciando sua faceta inumana. Jonas, porém, castigado pelas dores e pela fragilidade que o abatera, não percebeu.

Ajudando o homem a erguer-se, a jovem observou o fenômeno ao lado dele. Sobre as montanhas que delimitavam a praia do Forte, na cidade paulista de Praia Grande, descia no azul do céu, em meio a nuvens esverdeadas, um gigantesco objeto, de formato cilíndrico e cores escuras. Era feio, soturno, sem brilho, mas impressionava pela magnitude. Jonas diria que aquilo era um míssil de proporções gigantescas, se a velocidade não estivesse diminuindo sensivelmente conforme se aproximava do oceano.

Na verdade, tratava-se de uma, dentre muitas naves que estavam chegando de um sistema estelar não muito distante daqui. As embarcações alienígenas estavam repletas de mulheres belas e insaciáveis, que se alimentavam dos fluídos corporais masculinos, sugando-os por completo. Paula era apenas uma das voluntárias que haviam sido selecionadas, anos atrás, para habitarem a Terra e emitirem relatórios periódicos sobre os homens de nosso planeta. Cumprira fielmente sua missão.

Cansada de se sustentar com nossos alimentos insossos, a sereia do espaço suportara por muito tempo a privação de sua dieta preferida. Felizmente para ela, esses tempos de vacas magras logo ficariam para trás. Afinal, suas amigas estavam chegando, o que significava que em breve seria emitida a senha para o início do banquete.

Enquanto o estranho engenho parecia mirar um determinado ponto ao fundo do oceano, nas águas da praia de Vila Guilhermina, os garotos que chegavam às proximidades iniciaram uma gritaria. Um deles tinha nas mãos um celular, e com ele parecia filmar o acontecimento.

– Jesus, o que é aquilo? – dizia um menino de ascendência oriental, que em seguida saiu em disparada, dizendo que chamaria "mais gente".

Nesse ínterim, o objeto mergulhou no oceano. As poucas pessoas que estavam na praia ficaram em silêncio, atônitas, ao mesmo tempo em que seus cérebros tentavam processar o que estava acontecendo.
Após o completo restabelecimento de Jonas, Paula interrompeu o silêncio, procurando distraí-lo:

– Como é o seu nome?

– Hã? – vacilou ele, ainda em transe.

A moça sorriu. Jonas contemplou seu rosto: há instantes, ela parecia quase diabólica; agora, seu sorriso doce dava a ela uma aparência angelical. Uma inconstância que fazia o velho coração de Jonas bater descompassadamente.

– Seu nome, moço. Não gosto de trocar carícias com desconhecidos – disse a deusa, com as mãos em sua cintura delgada. – O meu é Paula.
– Jonas, muito prazer.

Finalmente esboçando um sorriso, ele prosseguiu:

– Muito prazer mesmo!

Ela gargalhou. Já não era mais um anjo, mas não parecia malévola. Aparentava agora algo diferente. "Uma sereia", pensou o pescador poeta. "É isso que ela deve ser!"

Em linhas gerais, ele não estava errado.

A grande diferença estava na dieta da moça.

******

Em questão de minutos, algumas pessoas, que talvez já acompanhassem o acontecimento em suas residências, começaram a povoar aquela região da praia. Quase todas traziam consigo celulares, máquinas fotográficas e/ou filmadoras. Conversavam alto, tensas. Enquanto as observava, Jonas tomara a iniciativa de abraçar a cintura de sua Partênope. Necessitava daquele corpo junto ao dele.

– Você observou com atenção quando aquela coisa estava entrando no mar? – questionou.

– Cada fração de segundo – ela respondeu, dissimulada. Em seguida, Paula afastou-se um pouco e desvencilhou-se do abraço, esperando a reação de Jonas. Queria jogar com ele, divertir-se um pouco. Para ela e suas patrícias, tudo não passava de um jogo. Um jogo de poder e sedução, que culminava num banquete delicioso.

– Não levantou uma gota de água sequer – ponderou Jonas.

Ela olhou para ele com vivacidade. Sabia muito bem o quão estranho era aquilo.

– Qualquer objeto que entra na água provoca muitos respingos – comentou, fingindo inocência.

– Ainda mais um tão grande quanto aquele – ele completou.

– Você é um bom observador, Jonas – disse a alienígena, reaproximando-se e deixando-se abraçar.

Sentindo-se entorpecido pelo calor que emanava do corpo da jovem, ele procurou se controlar. E brincou:

– Paula?

– Sim?

– E você?

– O que tem eu?

Com um ar sedutor, Paula beijou-lhe a testa com doçura, contendo sua devassidão. Jonas fechou os olhos, absorvendo com paixão o carinho fingido. E completou:

– É desse planeta?

Pela primeira vez desde que chegara à Terra, ela gelou. Embora soubesse que Jonas nem sequer desconfiava de sua verdadeira identidade, não pôde evitar um instante de desconforto.

Recompondo-se em seguida, ela gargalhou. O inocente Jonas perguntou-se como ela conseguia gargalhar daquela forma tão debochada sem perder um décimo de seu charme. A loira abraçou então aquele homem, que, apesar de ter perdido a juventude há décadas, lhe parecia tão atraente.

Mais um beijo. Agora, nos lábios. O tempo parou. Naquele momento, eles eram os únicos na praia que não estavam com suas atenções concentradas nas águas.

Pelo menos enquanto durasse aquele beijo.

******

Como bem sabia Paula, aquele não fora um fenômeno isolado. Em todas as regiões litorâneas do mundo, incidentes semelhantes foram relatados. E não fora apenas isso. Dias depois, pessoas ao redor do globo disseram notar que uma espécie de energia emanava das águas marinhas e ascendia até as nuvens. Relataram que a aparição tinha um formato helicoidal e um discreto tom esverdeado. Muito tênue, mas perceptível aos olhares mais atentos. Depois desse evento, começaram a ocorrer interferências no funcionamento de grande parte dos aparelhos eletrônicos existentes no planeta. Resultado: o fato de alguns "hobbies" terem sido afetados por essa pane era o menor dos problemas. A humanidade tinha apreensões muito maiores, que estavam relacionadas à precariedade das comunicações e ao mau funcionamento dos sistemas de navegação.

Apesar da inconsistência dos sinais de rádio e TV, às vezes era possível sintonizar algumas emissoras. Nesses momentos, o que mais se ouvia era a tese de que as interferências nos aparelhos eletrônicos teria mesmo sido causada pela energia que surgira dos mares da Terra. O termo do momento era "PEM – pulsos eletromagnéticos".

O pânico começou a se espalhar quando a teoria sobre uma possível invasão alienígena ganhou destaque. Os mares do mundo foram vasculhados, porém de maneira precária, pois os equipamentos com tecnologia mais avançada eram exatamente aqueles que mais sofriam com as estranhas interferências. Modernos caças das Forças Armadas Brasileiras, recentemente adquiridos num demorado processo licitatório, tentaram sobrevoar o litoral sul paulista, mas os pilotos foram traídos pelos instrumentos e os caças espatifaram-se em alto-mar.

Os mais alarmistas enxergavam as interferências nos aparelhos eletrônicos como uma tática "pré-dominação". Para eles, tratar-se-ia de uma maneira de reduzir as possibilidades de comunicação e defesa do inimigo. E, a bem da verdade, a Terra realmente havia ficado vulnerável.

No mundo inteiro, as respectivas Forças Armadas tentavam mostrar sua presença nas ruas, procurando transmitir à população uma sensação de segurança. As áreas litorâneas eram as mais protegidas. A rotina nessas regiões mudara radicalmente. Parecia que as cidades estavam em guerra. Até mesmo a distribuição de alimentos ficara a cargo do Exército.

Paula, a beldade alienígena, entrara em contato diversas vezes, desde as aparições, com as outras amazonas de seu planeta. Não houve qualquer dificuldade nessas comunicações, pois seus equipamentos dispunham de uma tecnologia que os tornava imune à ação dos pulsos eletromagnéticos. Ela e suas patrícias estavam se organizando sorrateiramente, acertando todos os detalhes. Dentro de três dias, colocariam em execução seus planos macabros. Os homens seriam seduzidos, subjugados e finalmente devorados, até não restar uma gota de fluído corpóreo. As mulheres da Terra – suas rivais – seriam executadas em massa, sem piedade. Depois disso, nosso planeta já não lhes ofereceria atrativo algum e seria abandonado. A propriedade deste pequeno mundo azul ficaria para os demais seres que o habitam.

Jonas, o bom e ingênuo pescador, já estava completamente apaixonado e entregue à dominação exercida por Paula. Ele perdera a conta de quantas vezes experimentara o sentimento de estar apaixonado. Nunca, todavia, apaixonara-se por alguém que estava vivenciando uma faixa etária tão diferente da sua. E jamais havia se sentido tão sugado pelas sensações – físicas e emocionais – que lhe despertava a sedutora alienígena. Era, ao mesmo tempo, algo doce e subjugador.

Com o passar dos dias, a paixão foi se transformando em amor no coração de Jonas. Ver sua deusa passou a ser uma necessidade, como se seu corpo tivesse encontrado nela uma espécie de vício: Jonas tornara-se dependente de Paula. Aquela jovem sensual parecia estar sempre no comando, mesmo quando bancava a moça ingênua e carente. Graças a Paula, sua inspiração de poeta e escritor havia se intensificado. Depois de alguns poemas dedicados a ela, ele finalmente começara a escrever seu tão sonhado romance. Ela, é claro, seria o personagem central. Mal sabia ele, no entanto, que talvez não vivesse o suficiente para ir além dos primeiros capítulos.

Para surpresa de Paula, Jonas encontrara maneiras de satisfazê-la sexualmente, proporcionando à jovem um prazer sereno, duradouro, que ela gostava de curtir sem pressa e sempre sem medo algum. A loura sabia que, por mais que se entregasse, jamais se sentiria presa a ninguém. Todavia, já não tinha certeza de que aquilo fosse uma vantagem sobre os outros seres ou uma espécie de maldição. Talvez a solidão fosse a sina das mulheres de seu planeta.

– Uma pena que daqui alguns dias eu tenha que devorá-lo. Gostaria de ficar mais tempo com ele, mas a fome está me consumindo – murmurava Paula, enquanto telepaticamente convidava sua caça para assistir a um vídeo em seu apartamento. Sua ascendência sobre Jonas tornara-se tão grande, que bastava desejar sua presença para que ele viesse ao seu encontro. Seria seu último momento romântico com o pescador, pois se aproximava o momento de se deliciar com o sabor de seus fluídos corporais. Queria curtir até o último momento mais um pouco daquela doce ternura, antes que o animal impiedoso que existia dentro dela recebesse de suas comandantes o sinal verde para abater o bom homem.

Por um instante, a fria alienígena quase se emocionou. Só por um instante.

******

Minutos depois, o improvável casal estava no apartamento adquirido pela alienígena no bairro da Aviação. Mais precisamente, na namoradeira da sala. Jonas, embora concentrado na sensualidade que emanava de Paula, quase percebeu o sentimento de culpa que ela tentava sufocar.

Com um olhar indecifrável, a loura juntou forças, soltou os cabelos e pousou suas mãos sobre os ombros de Jonas. Os seios, fartos e à mostra, pressionaram seu tórax, acelerando o velho coração do poeta. Os lábios macios da beldade tocaram os dele com suavidade. O perfume doce que a jovem emitia irradiou-se no ambiente, enquanto ela o beijava e murmurava em seus ouvidos mantras de dominação. Um bailado de carícias, vindo das mãos suaves da garota, o seduzia de forma branda, porém impiedosa. Seus olhos o hipnotizavam, enquanto o calor de seu corpo o fazia estremecer. Aos poucos, as sinapses de Jonas foram se entorpecendo, até perder o controle de seus sentidos. Alguns minutos depois, ele atingiu o extremo do prazer.

Paula apenas o observava. Seus olhos pareciam marejados. Seu sorriso – hábil arma de conquista – agora parecia um tanto embotado.

"Será que estou triste porque em breve irei me servir de minha presa? Não, não, de jeito nenhum! Foi apenas um breve momento de fraqueza!" – refletiu Paula, um tanto confusa.

Contendo as primeiras lágrimas que ameaçavam sair de seus olhos, a alienígena recompôs-se uma vez mais, decidida a não mais fraquejar. Sua soberba de caçadora jamais lhe permitiria admitir que estava se apaixonando por um velho terráqueo.

Vencido pelas carícias da loura deslumbrante, não demorou muito para o poeta cair de joelhos no tapete da sala. Estava completamente subjugado e pronto para o abate. Mas ainda não havia chegado a hora.

Em breve, porém, Jonas seria a primeira refeição das amazonas de "Gliese 581 g". E Paula teria a honra de celebrar o banquete. Para aquelas garotas vorazes, que haviam viajado mais de vinte anos-luz para se deleitarem com os fluídos masculinos, a passagem pela Terra não significava nada além de um passeio gastronômico.

Tecnicamente, não era uma invasão. Mas não havia defesa.

Na arte da sedução, elas eram invencíveis.

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