Sedução
Imagem: Natasha Henstridge
Da sacada de seu apartamento, debruçada sobre a grade de proteção, Paula observava as águas marinhas avançarem lentamente até as proximidades do calçadão. Enquanto admirava a beleza das ondas, ora verdes, ora azuis, ela ajeitava os cabelos louros e esboçava um sorriso. Os olhos contemplativos copiavam as cores do oceano e refletiam o encantamento da jovem diante da imensidão que via à sua frente.
Um franzir de
testa e um repentino cruzar de braços transfiguraram seu semblante numa
fração de segundos: seus pensamentos, indevassáveis, eram apenas parte
de seu mistério.
O vento, travesso, teimava em despentear seus
cabelos. Incomodava-a; parecia querer atrapalhar seu flerte com o mar.
Contrariada, a moça suspirou fundo e passou novamente seus dedos de
leite sobre os fios ondulados. Em seguida, a mão direita buscou os
óculos escuros na "nécessaire" e com eles cobriu os olhos muito claros.
A
beleza dos seus vinte e sete anos pulsava em cada músculo do seu corpo.
Era impossível a qualquer pessoa não notar sua presença.
Paula
era desejada por todos. E não apenas em razão da beleza e da
sensualidade, que lhe eram abundantes. Era magnetismo; algo animal,
primitivo. Algo que estava impregnado em sua essência de caçadora.
Os
bruscos movimentos do ar a estavam irritando cada vez mais. Paula
retrocedeu então dois passos, encostando seu corpo escultural na parede
da churrasqueira. Fez careta, bufou, mas nem mesmo a ira maculava sua
beleza. Uma beldade.
Parecendo intimidado por ela, o vento
abrandou sua força. A brisa marinha tocou então sua pele rosada com
suavidade, como quem lhe faz uma carícia. Ela deixou escapar um leve
gemido. Um sorriso de prazer, malicioso, brotou em Paula. A jovem fechou
os olhos, acariciou os cabelos e meneou lentamente os quadris largos,
simulando uma dança sensual. Provocou suspiros inaudíveis à sua volta.
Estava excitada. Abriu a blusa; exalou um perfume indecifrável. As
forças da Natureza silenciaram. Contemplavam-na.
"É assim que eu
gosto" – ela murmurou, com ares de superioridade. E tornou a debruçar-se
sobre a grade de proteção, revelando parte dos seios insinuantes.
O
aroma trazido pelas árvores frutíferas das redondezas penetrou em suas
narinas. Paula deixou que seu olfato fosse o sentido mais aguçado
naquele momento: adorava aquele cheiro! Sentindo-se dona deste mundo,
bocejou longamente, abriu os braços bem torneados e espreguiçou-se com
graça.
Nos prédios vizinhos, corações acelerados a observavam.
Embora desprezasse os seres humanos, Paula sentia-se envaidecida por
possuir tantos admiradores. Dançou novamente. Desta vez, com mais
sensualidade. Sabia provocar. Enquanto sua pele ruborizava com o calor
que tomava conta de seu corpo, ela iluminava seu rosto angelical com um
sorriso.
Diabólico.
Diabólico.
Uma predadora quase humana...
*******
Jonas
há tempos não saía para pescar. Já não tinha mais a mesma força nos
braços, tampouco a coragem de se aventurar novamente em alto-mar. Na sua
idade, aquilo já não parecia algo esperto a se fazer. E, felizmente,
não mais era necessário como meio de ganhar a vida.
Sessenta e
três anos, todos eles vividos no litoral paulista. Uma pequena herança
havia lhe trazido a tranquilidade financeira que em quase cinquenta anos
de trabalho nem sequer chegara perto de alcançar. "A vida é mesmo muito
estranha", costumava dizer aos amigos.
Aposentado há alguns
meses, Jonas agora podia dedicar-se a fazer o que mais gostava:
escrever. Não frequentara a escola durante muitos anos, apenas o
suficiente para ser alfabetizado. Porém, por conta própria, aprimorou
seus estudos anos depois. Tornara-se um apaixonado por livros. E os
devorava. Adorava mergulhar nas histórias e sentir-se como um
personagem, viajando na leitura e dando asas à sua imaginação. Desde
adolescente, acalentara a esperança de um dia tornar-se escritor, nem
que fosse para publicar um único romance. "Um livrinho só que seja",
matutava; "um único livro e já me sentirei feliz".
Estava sempre
escrevendo poemas e algumas crônicas sobre seu universo: o dia a dia, as
mulheres que amara, as belezas da praia, os mistérios das águas. Até as
conversas dos outros pescadores, que ele sempre ouvia em silêncio,
acabavam se transformando em pequenos textos, por vezes mesclados a
certa dose de ficção.
Tudo aquilo lhe servira como experiência,
como um treinamento para o romance que tanto desejava escrever. Jonas
agora tinha tempo de sobra para isso. Ele desenvolvera tamanha fluência
na escrita que, por vezes, deixava perplexos alguns alunos da
universidade que se instalara nas proximidades de sua residência.
Faltava saber qual seria o tema central do livro.
Em
sua mente, ele possuía várias ideias, mas nenhuma pela qual tivesse se
decidido. Ele sabia que escrevia melhor quando estava apaixonado pelo
assunto. E aquele livro – seu primeiro romance – tinha que ser especial.
Portanto, precisaria ser sobre algo pelo qual ele estivesse apaixonado.
Algo, ou alguém.
*******
Um
livro na mão esquerda e a velha cadeira de alumínio na destra. Era com
esses adereços que Jonas, diariamente, percorria o trajeto de quatro
quilômetros que separavam sua casa da beira-mar. Às vezes, também trazia
consigo um pequeno caderno e uma esferográfica azul, para, inspirado
pela bela paisagem, escrever um conto ou uma crônica. Ou, quem sabe,
capítulos do tão sonhado romance...
A praia ainda estava quase
deserta naquela manhã. Um sol morno nascia no horizonte. Pequenas nuvens
brancas pintavam timidamente o azul do céu. No seu imaginário de
escritor, elas pareciam silhuetas de pequenos seres que teriam viajado
incontáveis galáxias apenas para lhe dizer “olá”.
O ar estava
muito sereno e transmitia uma sensação de paz que Jonas desejava
absorver plenamente. Fechando os olhos e abrindo os braços fortes e
longos, ele respirava sorridente a tranquilidade do amanhecer. Enquanto
uma brisa amena atingia seu rosto, no céu o ar em movimento mudava o
formato das nuvens, transformando-as em figuras que lhe pareciam novas
formas de vida, todas elas muito diferentes de nós, mas que, na mente
prodigiosa do pescador, dividiam conosco um intrigante universo.
Jonas era mesmo um sonhador. Ingênuo e sonhador.
Ele
chegara com passos tranquilos e, antes que sentisse a água tocando seus
pés, abrira sua velha cadeira. Fizera tudo com lentidão, até sentar-se
confortavelmente. Já correra bastante em sua vida noutros tempos; agora,
queria apenas relaxar e curtir com paixão os anos que lhe restavam. A
brisa marinha cumprimentou-o e ele retribuiu com um largo sorriso. Olhou
para os lados novamente. Ninguém por perto. Poderia conversar com as
ondas sem ser taxado de lunático:
– Bom dia, mar amigo!
O
poeta parecia especialmente animado naquela manhã. Seus olhos, que
lutavam contra a presbiopia e a catarata, ainda tinham um brilho tênue. O
rosto já não guardava resquícios da beleza da juventude, mas o tronco e
os braços, ainda robustos, davam-lhe uma aparência mais jovem.
De repente, uma voz feminina surgiu, interrompendo os devaneios de Jonas:
– Que sorriso cativante!
Pego de surpresa, ele estremeceu. Paula sorriu:
–
Nossa, não pretendia assustá-lo! – enquanto ajeitava com malícia a
barra do curtíssimo vestido, a loura tocou suavemente em seu ombro
esquerdo. – É impressão minha ou você estava conversando com o mar?
Ao
virar-se na direção da moça, Jonas deparou-se com um sorriso maroto,
que brilhava num rosto deveras bonito. Os olhos (impossível dizer se
verdes ou azuis) eram hipnotizantes. No entanto, foram outras as
sensações mais marcantes para ele naquele momento: o toque delicioso das
mãos daquela jovem e as formas esculturais de seu corpo. Por um
instante, o experiente Jonas vacilara. Parecia em transe.
O
sorriso da deusa marinha abriu-se ainda mais. Sentia-se vitoriosa, pois
conquistara aquele homem usando apenas uma pequena fração de seus
encantos. Paula não estava surpresa; afinal, o poder de sedução das
mulheres de seu planeta era subjugador. Quando suas amigas chegassem,
nas naves que em breve aportariam nos litorais da Terra, também não
teriam a menor dificuldade em seduzir todos os homens do planeta. E
depois devorá-los. Literalmente.
Passada a hipnose inicial, o
velho pescador finalmente se recuperou. Levantou-se e cumprimentou
Paula. A suavidade das mãos dela não lhe passou despercebida: era um
convite ao prazer. Jonas tentou caprichar no velho sorriso, já que a
bela jovem o achara cativante.
– Você não me assustou. Foi sua beleza que me deixou intimidado.
Paula
gostou da franqueza, tão rara nos machos que conhecera em outras
civilizações. Decidira que Jonas merecia mais de seu charme. Liberando
feromônios extrassolares, a jovem aproximou-se, abraçou-o carinhosamente
e beijou com suavidade suas bochechas, um tanto enrugadas pelo tempo e
pela ação implacável do Sol durante décadas. Sentiu-se extremamente
atraída pelo odor que o pescoço daquele homem exalava. Ele parecia ser
uma refeição e tanto... Mas Paula não podia revelar-se antes da chegada
das outras amazonas.
Ao afastar-se do corpo dele – e percebendo o
quanto ele desejava que ela permanecesse ali –, Paula cuidou de ajeitar
delicadamente os cabelos, certificando-se de que seu cheiro penetrara
as narinas de sua caça:
– E então, conversando com Poseidon?
Enfeitiçado, Jonas sentiu-se mais tímido que de costume. Não queria, no entanto, parecer frágil:
–
Sim, confesso que costumo fazer isso quando não vejo ninguém por perto.
Você sabe, podem pensar que eu sou louco. [Sorrisos]. Você me pegou de
surpresa. Não senti a sua aproximação.
Fora com muita dificuldade
que Jonas conseguira concatenar aquelas frases. A moça era realmente
linda. Havia algo um tanto demoníaco nela, que o fazia querer sentir-se
dominado. E a audácia da garota o surpreendia cada vez mais. Agora, ela
trazia novamente seu corpo para junto do dele. Sem rodeios, começou a
lhe acariciar o tórax e a beijar-lhe a face e os lábios. Primeiro, com
doçura; depois, com completa devassidão. Em instantes, os dois corpos
estavam em brasa. Jonas jamais sentira tamanho prazer.
Os braços
da moça adornavam-lhe com suavidade os ombros e o pescoço, enquanto as
mãos acariciavam as têmporas e a nuca. As coxas roçavam com volúpia nas
dele e os seios – ah, os seios! – se projetavam sobre ele, quentes e
macios, desafiando seu autocontrole. Parecendo obedecer aos desejos da
beldade, o vento balançava levemente seus cabelos, fazendo com que eles
tocassem o rosto de Jonas, provocando ainda mais seus sentidos. O poeta,
já quase em êxtase, abraçou com força a cintura tão bem torneada,
enquanto buscava a região lombar daquela incrível fêmea. Um perfume
inebriante foi exalado do corpo dela, fazendo com que ele quase perdesse
os sentidos.
Era um massacre.
Ele tentou reagir, mas
mostrou um vigor físico em franco declínio. Suas mãos, um pouco
descoordenadas, procuravam sentir os quadris largos da moça, tateando-os
com um incontrolável desejo. Paula percebeu que ele a despia com os
olhos e lhe lançou um olhar malicioso e [muito] convidativo. Jonas,
esquecendo-se de que a praia não estava completamente deserta, começou a
tirar o vestido da beldade, mas foi interrompido por uma dor visceral.
O
pescador começou a contorcer-se, emitindo gemidos que indicavam
profundo sofrimento. Ele quase urrava. Desvencilhara-se dela, a
contragosto, e agora estava agachado ao chão. Tremia e tinha o rosto
desfigurado. Por longos minutos, pareceu metamorfosear-se em um homem
bem mais velho.
Ou o prazer fora maior do que ele podia suportar, ou algum poder desconhecido o afetara.
Paula
o observou com impressionante frieza. Depois, sentou-se na areia e
acariciou os cabelos ralos de sua presa. Olhando-o fixamente e com
repentina piedade, ela então notou que Jonas, com o indicador de sua
destra, apontava uma direção ao fundo daquele belo cenário litorâneo.
Quando os olhos claros e brilhantes de Paula notaram o que começava a
acontecer próximo à linha do horizonte, a moça sentiu seu corpo vibrar.
Em sua caça, a aparição provocara dores profundas; na alienígena, uma
intensa sensação de poder fora saboreada.
De formas antagônicas,
ambos ficaram transfigurados, porém em Paula a transformação durou
apenas alguns segundos. A pele dela tornou-se mais viçosa e levemente
azulada. Os olhos faiscaram de forma vibrante, denunciando sua faceta
inumana. Jonas, porém, castigado pelas dores e pela fragilidade que o
abatera, não percebeu.
Ajudando o homem a erguer-se, a jovem
observou o fenômeno ao lado dele. Sobre as montanhas que delimitavam a
praia do Forte, na cidade paulista de Praia Grande, descia no azul do
céu, em meio a nuvens esverdeadas, um gigantesco objeto, de formato
cilíndrico e cores escuras. Era feio, soturno, sem brilho, mas
impressionava pela magnitude. Jonas diria que aquilo era um míssil de
proporções gigantescas, se a velocidade não estivesse diminuindo
sensivelmente conforme se aproximava do oceano.
Na verdade,
tratava-se de uma, dentre muitas naves que estavam chegando de um
sistema estelar não muito distante daqui. As embarcações alienígenas
estavam repletas de mulheres belas e insaciáveis, que se alimentavam dos
fluídos corporais masculinos, sugando-os por completo. Paula era apenas
uma das voluntárias que haviam sido selecionadas, anos atrás, para
habitarem a Terra e emitirem relatórios periódicos sobre os homens de
nosso planeta. Cumprira fielmente sua missão.
Cansada de se
sustentar com nossos alimentos insossos, a sereia do espaço suportara
por muito tempo a privação de sua dieta preferida. Felizmente para ela,
esses tempos de vacas magras logo ficariam para trás. Afinal, suas
amigas estavam chegando, o que significava que em breve seria emitida a
senha para o início do banquete.
Enquanto o estranho engenho
parecia mirar um determinado ponto ao fundo do oceano, nas águas da
praia de Vila Guilhermina, os garotos que chegavam às proximidades
iniciaram uma gritaria. Um deles tinha nas mãos um celular, e com ele
parecia filmar o acontecimento.
– Jesus, o que é aquilo? – dizia
um menino de ascendência oriental, que em seguida saiu em disparada,
dizendo que chamaria "mais gente".
Nesse ínterim, o objeto
mergulhou no oceano. As poucas pessoas que estavam na praia ficaram em
silêncio, atônitas, ao mesmo tempo em que seus cérebros tentavam
processar o que estava acontecendo.
Após o completo restabelecimento de Jonas, Paula interrompeu o silêncio, procurando distraí-lo:
– Como é o seu nome?
– Hã? – vacilou ele, ainda em transe.
A
moça sorriu. Jonas contemplou seu rosto: há instantes, ela parecia
quase diabólica; agora, seu sorriso doce dava a ela uma aparência
angelical. Uma inconstância que fazia o velho coração de Jonas bater
descompassadamente.
– Seu nome, moço. Não gosto de trocar
carícias com desconhecidos – disse a deusa, com as mãos em sua cintura
delgada. – O meu é Paula.
– Jonas, muito prazer.
Finalmente esboçando um sorriso, ele prosseguiu:
– Muito prazer mesmo!
Ela
gargalhou. Já não era mais um anjo, mas não parecia malévola.
Aparentava agora algo diferente. "Uma sereia", pensou o pescador poeta.
"É isso que ela deve ser!"
Em linhas gerais, ele não estava errado.
A grande diferença estava na dieta da moça.
******
Em
questão de minutos, algumas pessoas, que talvez já acompanhassem o
acontecimento em suas residências, começaram a povoar aquela região da
praia. Quase todas traziam consigo celulares, máquinas fotográficas e/ou
filmadoras. Conversavam alto, tensas. Enquanto as observava, Jonas
tomara a iniciativa de abraçar a cintura de sua Partênope. Necessitava
daquele corpo junto ao dele.
– Você observou com atenção quando aquela coisa estava entrando no mar? – questionou.
–
Cada fração de segundo – ela respondeu, dissimulada. Em seguida, Paula
afastou-se um pouco e desvencilhou-se do abraço, esperando a reação de
Jonas. Queria jogar com ele, divertir-se um pouco. Para ela e suas
patrícias, tudo não passava de um jogo. Um jogo de poder e sedução, que
culminava num banquete delicioso.
– Não levantou uma gota de água sequer – ponderou Jonas.
Ela olhou para ele com vivacidade. Sabia muito bem o quão estranho era aquilo.
– Qualquer objeto que entra na água provoca muitos respingos – comentou, fingindo inocência.
– Ainda mais um tão grande quanto aquele – ele completou.
– Você é um bom observador, Jonas – disse a alienígena, reaproximando-se e deixando-se abraçar.
Sentindo-se entorpecido pelo calor que emanava do corpo da jovem, ele procurou se controlar. E brincou:
– Paula?
– Sim?
– E você?
– O que tem eu?
Com
um ar sedutor, Paula beijou-lhe a testa com doçura, contendo sua
devassidão. Jonas fechou os olhos, absorvendo com paixão o carinho
fingido. E completou:
– É desse planeta?
Pela primeira vez
desde que chegara à Terra, ela gelou. Embora soubesse que Jonas nem
sequer desconfiava de sua verdadeira identidade, não pôde evitar um
instante de desconforto.
Recompondo-se em seguida, ela gargalhou.
O inocente Jonas perguntou-se como ela conseguia gargalhar daquela
forma tão debochada sem perder um décimo de seu charme. A loira abraçou
então aquele homem, que, apesar de ter perdido a juventude há décadas,
lhe parecia tão atraente.
Mais um beijo. Agora, nos lábios. O
tempo parou. Naquele momento, eles eram os únicos na praia que não
estavam com suas atenções concentradas nas águas.
Pelo menos enquanto durasse aquele beijo.
******
Como
bem sabia Paula, aquele não fora um fenômeno isolado. Em todas as
regiões litorâneas do mundo, incidentes semelhantes foram relatados. E
não fora apenas isso. Dias depois, pessoas ao redor do globo disseram
notar que uma espécie de energia emanava das águas marinhas e ascendia
até as nuvens. Relataram que a aparição tinha um formato helicoidal e um
discreto tom esverdeado. Muito tênue, mas perceptível aos olhares mais
atentos. Depois desse evento, começaram a ocorrer interferências no
funcionamento de grande parte dos aparelhos eletrônicos existentes no
planeta. Resultado: o fato de alguns "hobbies" terem sido afetados por
essa pane era o menor dos problemas. A humanidade tinha apreensões muito
maiores, que estavam relacionadas à precariedade das comunicações e ao
mau funcionamento dos sistemas de navegação.
Apesar da
inconsistência dos sinais de rádio e TV, às vezes era possível
sintonizar algumas emissoras. Nesses momentos, o que mais se ouvia era a
tese de que as interferências nos aparelhos eletrônicos teria mesmo
sido causada pela energia que surgira dos mares da Terra. O termo do
momento era "PEM – pulsos eletromagnéticos".
O pânico começou a
se espalhar quando a teoria sobre uma possível invasão alienígena ganhou
destaque. Os mares do mundo foram vasculhados, porém de maneira
precária, pois os equipamentos com tecnologia mais avançada eram
exatamente aqueles que mais sofriam com as estranhas interferências.
Modernos caças das Forças Armadas Brasileiras, recentemente adquiridos
num demorado processo licitatório, tentaram sobrevoar o litoral sul
paulista, mas os pilotos foram traídos pelos instrumentos e os caças
espatifaram-se em alto-mar.
Os mais alarmistas enxergavam as
interferências nos aparelhos eletrônicos como uma tática
"pré-dominação". Para eles, tratar-se-ia de uma maneira de reduzir as
possibilidades de comunicação e defesa do inimigo. E, a bem da verdade, a
Terra realmente havia ficado vulnerável.
No mundo inteiro, as
respectivas Forças Armadas tentavam mostrar sua presença nas ruas,
procurando transmitir à população uma sensação de segurança. As áreas
litorâneas eram as mais protegidas. A rotina nessas regiões mudara
radicalmente. Parecia que as cidades estavam em guerra. Até mesmo a
distribuição de alimentos ficara a cargo do Exército.
Paula, a
beldade alienígena, entrara em contato diversas vezes, desde as
aparições, com as outras amazonas de seu planeta. Não houve qualquer
dificuldade nessas comunicações, pois seus equipamentos dispunham de uma
tecnologia que os tornava imune à ação dos pulsos eletromagnéticos. Ela
e suas patrícias estavam se organizando sorrateiramente, acertando
todos os detalhes. Dentro de três dias, colocariam em execução seus
planos macabros. Os homens seriam seduzidos, subjugados e finalmente
devorados, até não restar uma gota de fluído corpóreo. As mulheres da
Terra – suas rivais – seriam executadas em massa, sem piedade. Depois
disso, nosso planeta já não lhes ofereceria atrativo algum e seria
abandonado. A propriedade deste pequeno mundo azul ficaria para os
demais seres que o habitam.
Jonas, o bom e ingênuo pescador, já
estava completamente apaixonado e entregue à dominação exercida por
Paula. Ele perdera a conta de quantas vezes experimentara o sentimento
de estar apaixonado. Nunca, todavia, apaixonara-se por alguém que estava
vivenciando uma faixa etária tão diferente da sua. E jamais havia se
sentido tão sugado pelas sensações – físicas e emocionais – que lhe
despertava a sedutora alienígena. Era, ao mesmo tempo, algo doce e
subjugador.
Com o passar dos dias, a paixão foi se transformando
em amor no coração de Jonas. Ver sua deusa passou a ser uma necessidade,
como se seu corpo tivesse encontrado nela uma espécie de vício: Jonas
tornara-se dependente de Paula. Aquela jovem sensual parecia estar
sempre no comando, mesmo quando bancava a moça ingênua e carente. Graças
a Paula, sua inspiração de poeta e escritor havia se intensificado.
Depois de alguns poemas dedicados a ela, ele finalmente começara a
escrever seu tão sonhado romance. Ela, é claro, seria o personagem
central. Mal sabia ele, no entanto, que talvez não vivesse o suficiente
para ir além dos primeiros capítulos.
Para surpresa de Paula,
Jonas encontrara maneiras de satisfazê-la sexualmente, proporcionando à
jovem um prazer sereno, duradouro, que ela gostava de curtir sem pressa e
sempre sem medo algum. A loura sabia que, por mais que se entregasse,
jamais se sentiria presa a ninguém. Todavia, já não tinha certeza de que
aquilo fosse uma vantagem sobre os outros seres ou uma espécie de
maldição. Talvez a solidão fosse a sina das mulheres de seu planeta.
–
Uma pena que daqui alguns dias eu tenha que devorá-lo. Gostaria de
ficar mais tempo com ele, mas a fome está me consumindo – murmurava
Paula, enquanto telepaticamente convidava sua caça para assistir a um
vídeo em seu apartamento. Sua ascendência sobre Jonas tornara-se tão
grande, que bastava desejar sua presença para que ele viesse ao seu
encontro. Seria seu último momento romântico com o pescador, pois se
aproximava o momento de se deliciar com o sabor de seus fluídos
corporais. Queria curtir até o último momento mais um pouco daquela doce
ternura, antes que o animal impiedoso que existia dentro dela recebesse
de suas comandantes o sinal verde para abater o bom homem.
Por um instante, a fria alienígena quase se emocionou. Só por um instante.
******
Minutos
depois, o improvável casal estava no apartamento adquirido pela
alienígena no bairro da Aviação. Mais precisamente, na namoradeira da
sala. Jonas, embora concentrado na sensualidade que emanava de Paula,
quase percebeu o sentimento de culpa que ela tentava sufocar.
Com
um olhar indecifrável, a loura juntou forças, soltou os cabelos e
pousou suas mãos sobre os ombros de Jonas. Os seios, fartos e à mostra,
pressionaram seu tórax, acelerando o velho coração do poeta. Os lábios
macios da beldade tocaram os dele com suavidade. O perfume doce que a
jovem emitia irradiou-se no ambiente, enquanto ela o beijava e murmurava
em seus ouvidos mantras de dominação. Um bailado de carícias, vindo das
mãos suaves da garota, o seduzia de forma branda, porém impiedosa. Seus
olhos o hipnotizavam, enquanto o calor de seu corpo o fazia estremecer.
Aos poucos, as sinapses de Jonas foram se entorpecendo, até perder o
controle de seus sentidos. Alguns minutos depois, ele atingiu o extremo
do prazer.
Paula apenas o observava. Seus olhos pareciam
marejados. Seu sorriso – hábil arma de conquista – agora parecia um
tanto embotado.
"Será que estou triste porque em breve irei me
servir de minha presa? Não, não, de jeito nenhum! Foi apenas um breve
momento de fraqueza!" – refletiu Paula, um tanto confusa.
Contendo
as primeiras lágrimas que ameaçavam sair de seus olhos, a alienígena
recompôs-se uma vez mais, decidida a não mais fraquejar. Sua soberba de
caçadora jamais lhe permitiria admitir que estava se apaixonando por um
velho terráqueo.
Vencido pelas carícias da loura deslumbrante,
não demorou muito para o poeta cair de joelhos no tapete da sala. Estava
completamente subjugado e pronto para o abate. Mas ainda não havia
chegado a hora.
Em breve, porém, Jonas seria a primeira refeição
das amazonas de "Gliese 581 g". E Paula teria a honra de celebrar o
banquete. Para aquelas garotas vorazes, que haviam viajado mais de vinte
anos-luz para se deleitarem com os fluídos masculinos, a passagem pela
Terra não significava nada além de um passeio gastronômico.
Tecnicamente, não era uma invasão. Mas não havia defesa.
Na arte da sedução, elas eram invencíveis.
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